#5 Fundo do Poço
Dizem que no fundo do poço tem uma mola, você cai lá e ela te joga para cima. Eu prefiro acreditar que o fundo do poço tem uma lanterna sempre acesa a minha espera e um labirinto a ser explorado.
Cair no poço
Eu posso
Tiro a corda
do pescoço
Está frio
Escuro
No silêncio
Barulho
É hospital
Com crianças
O trabalho
A corda
Os abraços
E um oceano
As palavras
Os passos
O rio
Avança
O mar
Dança
Vida
em fluxo
Novo e vão
Refluxo
Reflexão
Fecha-se a porta do avião. Comissários de bordo conferem nossos cintos. Avisos de segurança. Minha filha disse aos prantos estar com medo desse avião cair. Eu tento controlar minha própria ansiedade e medo. Afinal aviões voam todos os dias e raríssimos os casos dos que caem. Porém, enquanto ele não aterrissa bem e chega bem ao portão de embarque e desembarque, ele segue sendo uma incógnita. Ela dorme e eu passo a viagem do último vôo, agitada e com medo. Três horas. Turbulência. Meu filho chora de dor. Minha cabeça dói. A gente não precisa morrer para ir ao inferno. Ele vem nos visitar em vida. Eu vivo o meu. Ver um filho sofrer por uma crise de anemia falciforme faz parte do meu inferno terreno.
Setembro, mês do meu aniversário. 29.09.1985. Falando em inferno, o astral. Eu não acredito em horóscopo. Mas eu também não desacredito. No creo en las brujas, pero que las hay, las hay. Setembro foi um mês onde os nós das certezas foram desatados. Um mês em que planos prioritários precisaram deixar de ser e deram espaços para outras prioridades. Foi o luto por ter que dar tchau ao Brasil depois de um mês me sentindo EU novamente. Ou EU pela primeira vez. E junto com luto, luta. Trabalhei um dia depois de voltar do Brasil sem direito a curtir jetlag. Primeiro dia de trabalho e precisei sair mais cedo, pois meu filho não estava bem. Fui com ele e o pai dele para o hospital. O pai dele o acompanhou na internação e eu cheguei tarde da noite em casa. Uma amiga querida me buscou na estação central. Minha filha ficou na casa de uma amiga e dormiu lá, já que eu estaria indisponível para ela no dia seguinte. Mal havia chegado e o senso organizacional, que não faz parte da minha natureza, precisou ser ativado.
Eu com minha amiga no meu último fim de semana no Brasil. Curtimos um bar, ao fundo samba, pagode, mpb, forró e o que mais dá na telha de quem montou a playlist. Ao fundo, a baía de Vitória, o Penedo, a ruína ao pé do morro que eu nunca visitei, os barquinhos dos pescadores, um navio cargueiro passando, o convento iluminado lá em cima da morro, a Terceira Ponte. Paisagem privilegiada.
Minha cidade deixa saudades. O coração que amoleceu e se apaixonou sem muitas chances de reciprocidade. Caos nas vidas e um oceano de distância. Saudades até de um carinho que não aconteceu. Paixão é coisa de adolescente e em algum lugar seremos sempre adolescentes. Só que com o passar do tempo, adolescentes com experiência e repertório. Assim como em algum lugar, seremos sempre crianças precisando de um colo. E quando precisamos de colo, de nada adianta a experiência e o repertório. A diferença é que aprendemos a engolir o choro, o grito, a dor.
Choro, quando meu filho finalmente pôde ir para a escola, depois de uma leva de se machucar e de viroses que abateu todo mundo da casa. Novamente sou interrompida no trabalho. A professora me fala que existe uma chance do meu filho voltar para a pré-escola. Eu deveria dar a ele esse presente. Tão pequeno. Muito infantil. Modo brincar. Outras crianças mais avançadas. Melhor para ele. Falo como mãe…
Então é isso. Toda aquela cerimônia de primeiro dia. O desejo dele de estar na escola com a irmã, de aprender a ler. Como ele vai reagir?Na pré-escola que a professora dele encontrou uma vaga tem uma piscina de bolinha. Um ano brincando na piscina de bolinha. E a escola não vai fugir. Melhor isso do que continuar com uma professora por dois anos que não acredita na capacidade dele. Aqui na Alemanha os professores acompanham a turma por dois anos. A terapeuta ocupacional está indignada com a professora e com a escola, mas não há o que fazer, os contratos estão assinados, ele volta à pré-escola.. Um ano. O que será de nós até lá? Quem seremos nós até lá.
O inferno astral se arrastou, até uma semana antes do meu aniversário. Hoje, quando sai essa newsletter, é meu aniversário. E eu digo a você que está aqui: aprendi a enfrentar as puxadas de tapete da vida com a cabeça erguida. Minha vida está longe de ser como eu gostaria. Mas eu ando de cabeça erguida como se fosse a rainha do deserto. Quando eu vejo mulheres do continente africano andar pelas ruas da Alemanha, admiro a postura delas.Geralmente estão de ombros alinhados, nariz empinados, como se estivessem enfrentando toda carga de preconceito com muito amor próprio, com destreza, com consciência de que são rainhas de suas próprias vidas independente do que o mundo exterior atente contra elas. Estão preparadas para a batalha. Então, quando bate a vontade de ficar na cama em posição fetal, chorando e lamentando pelos acontecimentos que surgem e estão fora do meu controle, eu penso nessas mulheres. Eu me empino e saio pelas ruas de cabeça erguida. Eu permito que as lágrimas caiam, eu me permito sentir, sem medo, sem culpa. Mas eu não permito que meu corpo se diminua por isso. É uma postura diante os outros, mas também uma postura diante a vida.
E a vida parece entender quando a gente a enfrenta de igual para igual. Ela amolece. Os problemas começam a se solucionar. Os níveis de adrenalina e estresse reduzem. Nesse amolecer, recebi uma proposta de trabalho incrível: oficinas e mentorias de escrita. Trabalhar com indígenas contando suas histórias.
A vida tem dessas coisas, no meio do caos, um alento. E eu aprendi a esperar por seu cafuné, nos momentos em que ela me joga no fundo do poço. Dizem que o fundo do poço tem mola, você cai e ele te joga para cima. Eu prefiro acreditar que o fundo do poço tem uma lanterna sempre acesa a minha espera e um labirinto a ser explorado. Não saio dele rápido. Mas é nessa andança por caminhos subterrâneos molhados, cheios de lodo, frios, eu com medo de ratos, cobras, animais fantásticos… é nesse lugar que eu colho sentimentos e histórias. E sempre de cabeça erguida. E quando finalmente encontro a saída, a vida filha da puta está lá na porta, com um sorriso, um carinho. Aproveito seu regaço. Antes que ela me lance no próximo poço. Fundo.
Rapidinhas literárias
Machado de Assis
Na sede da Academia Brasileira de Letras (ABL), foi inaugurado um mural em homenagem a Machado de Assis. A obra celebra o legado do autor, fundador da ABL e um dos maiores nomes da literatura brasileira. O mural, localizado na área externa da Academia, foi pintado pelo artista plástico Cazé e pelo produtor Pedro Rajão e busca imortalizar a imagem do escritor no cenário cultural do Rio de Janeiro. A obra celebra a vida e o legado do escritor, um dos maiores nomes da literatura brasileira, destacando sua contribuição monumental para a cultura nacional. O mural, que ocupa um espaço de destaque, é uma combinação de elementos visuais representando suas obras e sua trajetória, reforçando a importância de Machado para as gerações atuais e futuras.
Livros de ciências sociais para download gratuito legal
A Coleção "Grandes Cientistas Sociais" foi idealizada por Florestan Fernandes. Atualmente estão sendo disponibilizados 24 livros de forma gratuita para download. A iniciativa oferece acesso a obras fundamentais de autores renomados, uma oportunidade de estudo para quem se interessa por ciências sociais e filosofia. Os livros incluem clássicos de pensadores como Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx, permitindo uma imersão nos conceitos e teorias que moldaram o pensamento contemporâneo.
Você pode conferir e baixar os livros aqui.
Técnicas de escrita
Fluxo de Consciência
O fluxo de consciência é uma técnica narrativa que busca reproduzir os pensamentos e sentimentos da personagem de maneira espontânea e contínua, imitando o movimento natural da mente. O texto não segue uma estrutura rígida ou uma sequência lógica, mas sim uma livre associação de ideias, sentimentos, memórias e percepções, refletindo a subjetividade do personagem.
Exercício
Escolha um momento emocionalmente difícil para você e escreva um parágrafo em fluxo de consciência. Deixe seus pensamentos fluírem sem se preocupar com a coesão lógica e sem a linearidade. Inclua lembranças, sensações físicas e sentimentos que surgirem. Explore o caos, as contradições da mente e as emoções conflitantes.